Quem é o seu eu de fato? O que define a nossa personalidade realmente? Assistindo a uma saborosa palestra da filósofa Márcia Tiburi, me deparei com uma comparação entre Apolo e Dionísio. O primeiro se relaciona com a luz, a ordem e a criação. O segundo é o deus do vinho, da alegria, da desordem , da destruição e do encontro com o outro que existe em nós.
Como afirmou Márcia Tiburi, filosoficamente falando somos esquizofrênicos porque temos um outro dentro de nós que muitas vezes desconhecemos.
É por meio do caos , da desordem, da ruptura que nos deparamos com este outro. Enfim, ninguém se conhece e se depara com este outro sem uma boa dose de sofrimento e feridas bem abertas.
Um ex professor de teatro , certa vez, nos disse que o palco não era espaço de Deus. Era espaço de Dionísio. No teatro por meio do encontro com o personagem podemos encontrar a nós mesmos.
Se Apolo é importante para construirmos e mantermos a ordem, Dionísio é vital para jogar fora o que não faz mais sentido e desta forma abrir espaço para o que deve ser investido.
Em uma visão mais materialista , somos o que vivemos, o que fazemos, como organizamos a nossa rotina. Nossos atos nos definem. Em uma visão mais idealista , no sentido filosófico da palavra, somos o que pensamos e sentimos, como nos enxergamos por debaixo das máscaras. O que nos define é o que se passa por nossa mente , mesmo que não tenhamos coragem suficiente para nos revelar ao mundo e agir de acordo com a nossa vontade.
Quanto menor for a distância entre este eu que age e este eu que pensa e sente é sinal de que estamos abrindo mão de nossas máscaras. Sabemos que uma revelação total é uma ideia altamente desejável mas ao mesmo tempo utópica , pois alguns conteúdos não vem à tona nem para nós mesmos.
Porém, algumas pessoas conseguem tirar mais camadas da cebola e chegar mais perto do seu cerne. Quanto menos máscaras, mais realizados nos sentimos. Viver de acordo com um modelo que não corresponde ao nosso é o mesmo que calçar um sapato pequeno ou grande demais. Nos sentimos desconfortáveis e o andar não é orgânico.
Normalmente , nos definimos por nossos atos. Numa visão deleuziana, a realidade é questionada e poderíamos considerar a vida interior de um sujeito a sua mais pura realidade e o que ele vive de fato, no seu dia a dia , poderia ser considerada apenas um simulacro, uma encenação patética de uma subvida. Quanto maior for a distância entre o eu que age e o eu que pensa e sente, mais esquizofrênicos seremos no sentido social da palavra. Pessoas que sorriem para o chefe déspota enquanto sentem vontade de esganá-lo. Homens e mulheres que transam com o parceiro/parceira, imaginando outra pessoa. Pessoas que exercem a vida inteira uma profissão que odeiam. Pessoas que se obrigam a conviver com gente que as menosprezam e fingem estar bem. Pessoas que desistem de lutar por seus desejos pelo medo de chocarem, de contrariarem, de causarem algum tipo de polêmica.
Embora não haja a possibilidade de sermos outra pessoa e apenas nós mesmos, criamos personagens para nos proteger das dores, para suportar o que nos foi imposto. E muitas vezes, fica complicado dizer o que é objeto e o que é signo ou representação. Esta é uma resposta que cabe a cada um de nós buscar.
© obvious: http://obviousmag.org/cinema_pensante/2015/09/quem-e-o-seu-eu-de-fato.html#ixzz3n9pEC9Uy
Follow us: @obvious on Twitter | obviousmagazine on Facebook