“O verdadeiro artista deve atuar como guerrilheiro”
Confira entrevista com o escritor Antonio Geraldo, que participa do VI Festival da Mantiqueira
Mariana MarinhoCom o tema Regiões da Literatura, o VI Festival da Mantiqueira busca discutir de que forma as vivências locais influenciaram as obras de grandes autores brasileiros e internacionais. “A escolha desta linha-mestra não é extemporânea. Nem é uma invenção. Ela se impôs a partir da observação da cena cultural brasileira. Com as transformações recentes pelas quais passou o país, muitos artistas perceberam a matéria bruta que a realidade lhes fornecia. E a tomaram nas mãos, para transformá-la em arte”, expõe Heitor Ferraz, curador do festival e editor da revista CULT.
“O tema é bem amplo e ao mesmo tempo sugestivo, o que é bom”, afirma Paloma Vidal. Ao lado de Cadão Volpado, a escritora, nascida em Buenos Aires, participa da mesa “Aventuras da Memória”. No romance Mar Azul, Paloma traz a busca pela memória como principal eixo temático da obra. “Venho trabalhando com a memória porque é uma pergunta para mim. E é nesse sentido que se estabelece minha relação com ela: é um material aberto, imprevisível, que pode nos surpreender”, diz.
“Mar Azul recupera um tempo que tem a ver com a ditadura argentina. Meu livro também toca nesse tema. Mas ambos usamos a imaginação e a literatura para tratar do assunto. Creio que a nossa conversa vai ser muito boa por causa disso”, comenta Cadão.
Fernando Bonassi, José Roberto Torero e Lauro César Muniz, mediados por Renata Pallottini participam do debate “Diálogos com o cinema e a TV”. Augusto Massi, Humberto Werneck e Ivan Ângelo discorrem sobre Rubem Braga na mesa “100 anos de Braga”. Na mesa “Libertinagem” conversam Reinaldo Moraes e Eliane Robert Moraes. O evento conta ainda com a presença de Raquel Cozer, Paulo Lins, Chacal e outros palestrantes.
Além das mesas, o Festival traz o projeto Imprensa Jovem, oficinas, programação infantil e intervenções artísticas e apresentações musicais, como o show “Toquinho Voz e Violão – Homenagem ao poeta Vinícius de Moraes”.
Confira a seguir a entrevista com Antonio Geraldo Figueiredo Ferreira. O escritor participa da mesa “Regiões da prosa brasileira”, junto com Luiz Ruffato e Wesley Peres.
CULT - O tema geral do festival é “Regiões da Literatura”. Como sua obra se encaixa nesse recorte?
Antonio Geraldo - O termo “região” é muito feliz. Etimologicamente liga-se a uma divisão premeditada dos céus pelos áugures, que assim teriam como predizer o futuro. A literatura, de algum modo, buscando desenterrar sua matéria do presente, ou mesmo do passado, ambiciona os tempos vindouros, criando em si, e de si, uma permanência dialógica com os leitores de sua época, está claro, mas também com aqueles que ainda não nasceram. É desse modo que a obra pode conversar inclusive com os mortos… E eles respondem.
As visitas que hoje estamos procura perceber a voz do mundo rural em consonância com o mundo citadino, urbano, e, ao mesmo tempo, a dissonância entre eles. Já disse em entrevistas que o conceito de formação, no Brasil, é reposto continuamente como pergunta, entroncamento incessante, por assim dizer. Muitos falaram das cidades; outros tantos, do interior. É preciso, creio, andar pelas fronteiras cambiantes desses dois mundos que são um só, também, para entender o rumo de nossos passos. Meu romance procura tropeçar por aí… Por essas regiões indefinidamente mapeadas.
Você participará da mesa “Regiões da Prosa Brasileira”. O que espera do encontro?
Tenho certeza de que será agradável. Estou ansioso para ouvir Luiz Ruffato e Wesley Peres. Pensando como leitor, como fã, tais encontros dão rosto à admiração. Se isso parece meio pop, e acho que é, mesmo, porque um homem não pode fugir aos imperativos históricos de sua época, por outro lado expõe o rosto do escritor, sua voz, seus trejeitos, suas hesitações. Deixa de ser pose de orelha de livro. E um leitor ali sentado percebe que a voz do livro de que gostou não tem por detrás nenhum tom diferenciado do que ele mesmo tem, quando conversa com os amigos.
Você concorda que buscar experiências locais sem embarcar na onda nacionalista tem revelado as possibilidades de uma literatura cada vez mais forte e que se impõe além das nossas fronteiras?
Concordo. E a questão é mais antiga do que parece, ou, melhor dizendo, talvez seja a nossa grande questão. Outro dia coloquei no Google, entre aspas, a expressão “instinto de nacionalidade”. Mais de 60.000 resultados, acredita? Mas é aí mesmo que a porca torce o rabo…
Creio também que o interesse pela nossa literatura, que certa feita teria atraído pelo pitoresco, apenas, hoje se estabeleça sem disfarces como resultado de um sistema econômico mundial que procura apagar todas as fronteiras com a borracha pesada do Capital necessariamente apátrida, escancarado no esperanto numérico dos lucros crescentes. Os nossos jornais dão mais destaque ao Best-seller estrangeiro do que aos nossos autores. É preciso relembrar as palavras de Paulo Emílio Salles Gomes… “Até o pior filme brasileiro nos diz mais que o melhor filme estrangeiro”.
Cada região apresenta seus dilemas, suas características e seu ritmo ao mesmo tempo em que está conectada com um Brasil – e um mundo – tecnológico. Como é para o escritor atual lidar com essa realidade?
Caso tivéssemos acabado de inventar a comunicação por sinais de fumaça, o escritor deveria tratar de juntar lenha. O instrumento não é nada. Tudo é o que fazemos com ele. Com uma faca você pode preparar uma bela refeição ou cortar o pescoço do vizinho.
Se os novos veículos pulverizam as fronteiras, como já disse, por outro lado criam neles mesmos um movimento de resistência que, por assim dizer, é o movimento da criação artística, do papel do intelectual diante de sua realidade. Explico-me. O circunscrito extrapola seus limites e se mostra onipresente em sua inusitada pequenez, o que, em última análise, propicia aquele movimento de resistência extraído paradoxalmente desse novo mundo tecnológico. O verdadeiro artista não pode se esquecer de que sempre atuará como guerrilheiro…
Seu livro As visitas que hoje estamos não se enquadra na denominação tradicional de romance. Essa mistura de gêneros ocorreu de forma natural ou foi algo pensado previamente?
Foi pensado. Gosto dos artistas que não colocam uma vírgula se ela não tiver significado. Isso é arte. Acreditar em arte natural é besteira. Natural por natural, melhor viver, concorda? A boa obra de arte potencializa as nossas existências. E, mais importante: na obra, isso deve parecer natural…
As visitas que hoje estamos foi apontado pela crítica como a grande revelação dos últimos anos em nossa literatura. Como você lida com a repercussão da obra?
Não vou mentir. É muito bom. E o reconhecimento artístico é muito especial, porque sentimos de algum modo que ele transcende as rugas. É uma plástica que o sujeito imagina reposta pelos anos afora. Claro que às vezes o cara fica esticado demais na cara, e aí danou-se…
Já está trabalhando em uma próxima obra?
Está bem adiantada. Dialoga com As visitas que hoje estamos. Eusébio Sousa, o suicida autor dos “Sofismas Diários” e da peça teatral estará de volta… É o poder do escritor. Vou trazer o defunto de volta à vida. Com os dois volumes encerrarei o projeto maior que concebi.
VI Festival da Mantiqueira – Diálogos com a Literatura
Onde: Praça Cônego Antonio Manzi, São Francisco Xavier – São José dos Campos (SP)
Quando: 14/06 a 16/06
Quanto: gratuito
Info.: www.festivaldamantiqueira.com.br
Uma pena que não poderei estar lá.
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