Galera

Galera
A maior parte dos seres humanos, por preguiça e comodidade, segue o exemplo da maioria. Pertencer à minoria é tornar-se vulnerável, expor-se à critica. Tomar consciência da normose e de suas causa constitui a verdadeira terapia contemporânea. Trata-se, também, do encontro com a liberdade. Seguir cegamente as normas é tornar-se escravo. Roberto Crema

Esse é nosso lema!!

Esse é nosso lema!!
ESSE É NOSSO LEMA!!!! "A amizade é uma alma que habita vários corpos. Um coração que habita várias almas" Aristóteles

BOAS VINDAS!

Querer mudar o mundo é um desejo saudável e totalmente necessário. " Para ser feliz, o ser humano precisa somente de duas coisas: cultivar sementes de paz em seu coração e ter bons amigos. " - Buddha

Espaço da Galera!!!!!!!!!!!!!!!!!!

As coisas mais simples são os melhores presentes.

Leveza pra conduzir a vida; Beleza, que vai muito além da estética;

Determinação, porque sem ela nada acontece, nada;

Harmonia, paz e alegria sempre.

Silvana Mara dias Souza

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Crônica 1 do livro Eu Sozinha.

Crônica 1 do livro Eu Sozinha


I


Jamais hei de saber a imagem que os outros têm de mim. Eu me conheço dos espelhos, das fotografias dos reflexos, quando meus olhos param para se olhar e a diferença de ângulos impede criar uma dimensão real. Não sei os movimentos do meu rosto. Nunca me vi pela primeira vez. Tenho, de mim mesma, uma idéia preconcebida que alia o espírito aos traços fisionômicos e ao desejo de uma outra beleza. Criei, assim, uma pessoa invisível, mais real, para mim, do que qualquer outra. Dessa pessoal eu gosto. E, talvez por saber-me sua única amiga, ela me enternece profundidade. 
Vejo um rosto oval, de maçãs altas, a linha fácil e cheia descendo até meu queixo redondo, com uma doçura infantil. Os olhos grandes, plantados com sabedoria, são verdes, compridos, muito separados; tôda vez que alguém busca em mim algo a elogiar, apega-se aos olhos, e ficou-me convencido que tenho olhos bonitos. Entre eles, ocupando mais espaço do que o estritamente necessário, meu nariz é elemento básico para manter viva a ilusão de que no dia em que resolver ficar bonita, será suficiente operá-lo. A bôca, desenhada em redondos, tem o lábio superior pequeno e o de baixo cheio; divide-se, nítida, em luz e sombra, e somente os cantos virados para baixo a diferenciam de minha bôca de menina.
Ao redor da cabeça pequena sinto o cabelo despenteado. Curto, desce em vírgulas sôbre a testa, diante das orelhas e na nuca, deixando livre o pescoço. Sempre tive a impressão de um pescoço gracioso e longo, impressão provàvelmente devida à magreza com que surge dos ombros, prêso por tendões fortes, como se fôsse um esfôrço erguer-se entre os omoplatas.
Vejo um corpo de garôto, os ossos largos e parente confirmando a boa estrutura. Nos meus braços, o sol desenha veias e músculos. As costas são mais estreitas do que deveriam. Os seios, promessa nunca concretizada. A cintura, pequena. Nos quadris e nas pernas, uma capacidade de fôrça não solicitada. As mãos prendem-se ao punho sem hesitação, a palma é larga, os dedos fortes. Os pés são de pedra.
Quando me olho nas vitrines, de soslaio, tenho a passo seguro. Ando rápida, um pouco por pressa, um pouco pelo prazer físico de sentir o corpo em ação, obediente e jovem. Gosto de andar, e o faço com cuidado, sentindo o balanço e o apoio, prestando atenção. Tenho muito amor a meus gestos.
Quase não pisco. Às vêzes, a intensidade com que olho, querendo ver, doi-me nas têmporas. Quando estou sòzinha nuca sorrio, mas sorrio muito, com prazer e consciência, quando companhia.
Quisera ser mais frágil do que sou. E me orgulho de minha fôrça. Meu rosto é antigo. Ninguém mais moderno. Jovem, tenho tôda a minha velhice. A resistência me assusta. A liberdade me pesa. Não quero ser livre.
Gostaria de ser como os outros me vêm. Ou que os outros me vissem como sou. Haveria, assim, uma única pessoa.


*Crônica 1 do livro Eu Sòzinha,   lançado pela Record em 1968. Este é o primeiro livro da autora.

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Há quem não goste de ninguém, pois ainda luta para gostar de si mesmo!


Nunca poderemos agradar a todo mundo, tampouco gostar de todos com quem convivemos ao longo de nossos dias. No entanto, precisamos tentar conviver pacificamente com aqueles que passam os dias perto de nós, ou os ambientes ficarão carregados demais e insuportáveis. Sejamos cordiais, sem falsidade ou afetação orquestrada, e assim evitaremos dissabores desagradáveis e mal estar inútil.



Cada um de nós sente as coisas de uma maneira própria e se expressa de acordo com o que possui dentro de si, de acordo com as experiências afetivas que construíram o seu caminho. Alguns são mais extrovertidos, outros se abrem com mais facilidade, enquanto muitos são tímidos e introspectivos, o que não significa que uns gostem mais ou gostem menos, pois a verdade não tem nada a ver com as aparências.
Existem pessoas quietas e introvertidas que são extremamente agradáveis e ótimas companheiras de vida, de trabalho ou de escola, assim como há quem se mostre bastante solícito e agradável, mas não se furta de difamar a quem quer que seja pelas costas. É por essa razão que nos enganamos tanto com aqueles com quem nos encontramos enquanto caminhamos, pois julgamos primeiramente aquilo que está visível, o que, não raro, destoa do que o outro realmente é.
Mesmo assim, encontraremos, pelo caminho, pessoas que não apenas aparentam ser frias e incapazes de afeição sincera, mas que são assim mesmo. Trata-se, sobretudo, de quem coloca o trabalho e a carreira, as aparências, a aquisição de bens acima de tudo, distanciando-se mais e mais dos relacionamentos desprendidos que marcam a vida da gente. Como nada na vida delas é desprovido de segundas intenções, tornam-se incapazes de compreender e de vivenciar o gostar por si só.
Existe quem nunca conseguirá se relacionar com sinceridade e afeição, com verdade, pois quem não se entrega àquilo que não traz retorno financeiro ou conforto material jamais conseguirá se achar digno de ser querido por alguém com sentimento puro. E, nessa busca pelo que o outro possa vir a oferecer materialmente, deixa-se de cuidar de si mesmo, da própria essência. Deixa-se de gostar de si mesmo enfim.
Preocupar-se demais em ser querido e em ser alguém agradável não fará com que consigamos a simpatia de todos, porque nem nós mesmos gostamos de todos com quem convivemos. Por isso, respeitar quem quer que seja, bem como exigir respeito, será o melhor que poderemos fazer. No fim das contas, se formos verdadeiros, acabaremos rodeados por quem bastará à nossa felicidade e nossa urgência em ser feliz, pois ali o amor reinará.

quinta-feira, 14 de julho de 2016

QUEM NADA TEM!



A miséria que tomou conta da nossa sociedade não consiste na falta de bens materiais dos mais desfavorecidos, mas na falta de humanidade que inunda a percepção e comportamento de tantos de nós.

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Numa tarde excepcional, quando saía da minha casa em direção ao trabalho me deparei com uma cena mais do que única: dois homens de meia idade com aparência de mendigos andavam lado a lado com mais de vinte cachorros à sua volta. Além disso, um dos homens empurrava um carrinho de mão com dois cachorros dentro dele, aparentemente velhos e machucados. A cena era realmente tocante, porque apesar da nítida pobreza, os homens sorriam, e todos os cães à sua volta se comportavam como protetores dos dois seres incomuns, que pareciam mais estar resgatando soldados de seu exército.
Na verdade, um daqueles homens era um velho conhecido. Sr. João é um senhor que mora em um pequeno barraco num terreno que ele ocupou ilegalmente no bairro, e onde cuida de tantos cachorros que já nem sabe mais quantos são. Vive de doações para seus animais e nada pede pra ele mesmo. Já se tornou conhecido na região. Muitos o ajudam.
Senti como se tivesse visto a cena de um filme, porque apesar de ter sido uma única cena, ela se tornou tão forte pra mim, que dirigi os quase vinte quilômetros seguintes pensando no que tinha presenciado e nos tantos significados por trás disso.
Num mundo onde todos parecem estar buscando coisas materiais, o individualismo tomou conta da maioria de nós da pior forma possível: com naturalidade. É normal na maioria das pessoas, e inclusive em mim mesma, o anseio constante por realização pessoal: prazer, sonhos, aceitação pessoal, profissional e social. Aos nossos olhos, às vezes já parece tão difícil cuidarmos só de nós mesmos, quem dirá então do outro? Um amigo, um conhecido, desconhecido ou ainda um animal de rua?
Dia após dia levantamos, trabalhamos e tantas vezes nos lamentamos pelo tempo que nos falta para um usufruto maior da vida, nos questionamos sobre aquele sonho a ser realizado e o quanto mais há a ser conquistado. Círculo vicioso, natural do ser humano, que é entendido como um combustível essencial para se viver. Há de se sonhar e de se desejar sempre mais, para se seguir em frente.
Mas eu me pergunto se este círculo vicioso também não é ao mesmo tempo uma tênue linha entre os sonhos que nos mantém em movimento e a ambição cega que não nos permite mais ver os verdadeiros valores da vida.
Vejo várias pessoas que já possuem tanto e simplesmente não conseguem deixar de se preocupar com o futuro, deixando de viver o que realmente importa: o presente. Pessoas que não conseguem dar um riso alto, aberto e escancarado, daqueles que vem de dentro. Pessoas que desconhecem o prazer de alimentar um animal de rua ou até mesmo uma pessoa. Seres humanos que não sabem mais o que é viver fora de seu individualismo. O viver somente em torno de si mesmo, como se o mundo girasse apenas ao seu redor.
Quando lembro daqueles homens atravessando a rua rodeado de cães andando alegremente à sua volta, penso no bem que fazem e o quão em paz encostam suas cabeças em seus travesseiros ou onde quer que seja. Que nível de consciência tamanho desapego proporciona? Eu não sei, mas gostaria de sentir. Enquanto a maioria de nós às vezes não consegue dormir devido à ansiedade sobre aquilo que ainda não tem ou o que ainda não fez.
Infelizmente, nossa natureza naturalmente confusa em constante busca pelo equilíbrio, costuma nos pregar peças. Exemplo aqui, o esquecimento de que a felicidade plena está nos pequenos gestos, no dia-a-dia e que nada custam: um sorriso ao próximo, um abraço, um elogio sincero, um aperto de mão, um gesto de apoio, uma caridade despretensiosa.
No fundo, tudo se resume em amor. Há os que nunca saberão o quão prazeroso é o dar sem nada receber em troca. A gratidão que chega por um sorriso, no alívio do outro que recebeu, até mesmo no latido de um cão.
Por um momento senti pena daqueles dois homens, pela pobreza material e por todo trabalho que deviam ter para conseguir alimentar tantos cães e eles mesmos. Segundos depois tive pena de mim mesma, ao ver a satisfação em seus sorrisos, numa consciência leve que seus semblantes transpareciam, numa despretensão e desapego das preocupações comuns à maioria de nós.
Porque nesta vida quem nada tem, não são os que não possuem dinheiro, mas aqueles que perderam a possibilidade desse olhar. O olhar que vai além de seu próprio mundo e de seus próprios desejos. O olhar ao próximo com o amor mais puro que existe. O amor à vida por si só, da qual fazemos parte e deveríamos vivenciar de modo coletivo. O amar ao próximo como a si mesmo.


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segunda-feira, 11 de julho de 2016

PEQUENAS DELICADEZAS DO AMOR!

PUBLICADO EM RECORTES POR 
"Que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem barômetros etc. Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós." (Manoel de Barros)

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As coisas incomensuráveis habitam as pequenas delicadezas do amor. Estão nas miudezas e nos gestos cotidianos dos quais nem nos damos conta; nos pequenos desejos, na mão pousada sobre ombros descansados, nas pontas dos dedos que deslizam na nuca amada, na pipoca dividida, nos abraços despretensiosos, na pia do banheiro ou nos beijos dados na cozinha vestida de louças de um almoço qualquer.
Estes pequenos gestos e abraços engolem o sexo mais indomado e o presente mais caro. Não que o sexo e o presente mais lindo não sejam bem-vindos, mas as pequenas delicadezas têm um poder incrível de sobreviver ao tempo. Sacanagens são deliciosamente prazerosas, mas a certeza da conversa a qualquer tempo é ainda mais reveladora e prazerosa, é ela quem nos afasta da solidão das multidões, que nos transmite certezas, se é que estas existem, de que as coisas seguem por um caminho quase perfeito.
O riso solto e sem protocolos conseguidos com o aumento da intimidade, sem os quais a gente murcha um pouco, está nestas pequenas delicadezas. São estas miudezas do amor que nos engrandecem e muitas vezes a gente sequer se dá conta disto. O amor é cheio de vocações desconhecidas e conexões profundas e delicadas. Pequenas delicadezas são na verdade a mais profunda forma de amor e que nos é revelada, também, em pequenas coisas.
Há momentos na vida em que ficamos por um triz, temos vontade de chorar, gritar, bater; do mesmo modo temos vontade de dividir alegrias, belezas, conquistas, mas quando vamos desmoronar queremos conosco ou do outro lado da linha, aquele que dividiu com a gente as pequenas delicadezas; é nesta pessoa que pensamos, é neste colo que queremos descansar. É naquela conexão profunda e delicada que mora o sossego dos nossos anseios.
Às vezes esta pessoa só precisa dizer um “alô” para o mundo ficar reconhecível outra vez. É que as coisas incomensuráveis da vida moram nas lembranças, gestos e amores gentis.


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segunda-feira, 16 de maio de 2016

Ensaio sobre a amizade – Lya Luft

“Que qualidade primeira a gente deve esperar de alguém com quem pretende um relacionamento? Perguntou-me o jovem jornalista, e lhe respondi: aquelas que se esperaria do melhor amigo. O resto, é claro, seriam os ingredientes da paixão, que vão além da amizade. Mas a base estaria ali: na confiança, na alegria de estar junto, no respeito, na admiração. Na tranqüilidade. Em não poder imaginar a vida sem aquela pessoa. Em algo além de todos os nossos limites e desastres.
Talvez seja um bom critério. Não digo de escolha, pois amor é instinto e intuição, mas uma dessas opções mais profundas, arcaicas, que a gente faz até sem saber, para ser feliz ou para se destruir. Eu não quereria como parceiro de vida quem não pudesse querer como amigo. E amigos fazem parte de meus alicerces emocionais: são um dos ganhos que a passagem do tempo me concedeu. Falo daquela pessoa para quem posso telefonar, não importa onde ela esteja nem a hora do dia ou da madrugada, e dizer: ‘Estou mal, preciso de você’. E ele ou ela estará comigo pegando um carro, um avião, correndo alguns quarteirões a pé, ou simplesmente ficando ao telefone o tempo necessário para que eu me recupere, me reencontre, me reaprume, não me mate, seja lá o que for.
Mais reservada do que expansiva num primeiro momento, mais para tímida, tive sempre muitos conhecidos e poucas, mas reais, amizades de verdade, dessas que formam, com a família, o chão sobre o qual a gente sabe que pode caminhar. Sem elas, eu provavelmente nem estaria aqui. Falo daquelas amizades para as quais eu sou apenas eu, uma pessoa com manias e brincadeiras, eventuais tristezas, erros e acertos, os anos de chumbo e uma generosa parte de ganhos nesta vida. Para eles não sou escritora, muito menos conhecida de público algum: sou gente.
A amizade é um meio-amor, sem algumas das vantagens dele mas sem o ônus do ciúme – o que é, cá entre nós, uma bela vantagem. Ser amigo é rir junto, é dar o ombro para chorar, é poder criticar (com carinho, por favor), é poder apresentar namorado ou namorada, é poder aparecer de chinelo de dedo ou roupão, é poder até brigar e voltar um minuto depois, sem ter de dar explicação nenhuma. Amiga é aquela a quem se pode ligar quando a gente está com febre e não quer sair para pegar as crianças na chuva: a amiga vai, e pega junto com as dela ou até mesmo se nem tem criança naquele colégio.
Amigo é aquele a quem a gente recorre quando se angustia demais, e ele chega confortando, chamando de “minha gatona” mesmo que a gente esteja um trapo. Amigo, amiga, é um dom incrível, isso eu soube desde cedo, e não viveria sem eles. Conheci uma senhora que se vangloriava de não precisar de amigos: ‘Tenho meu marido e meus filhos, e isso me basta’. O marido morreu, os filhos seguiram sua vida, e ela ficou num deserto sem oásis, injuriada como se o destino tivesse lhe pregado uma peça. Mais de uma vez se queixou, e nunca tive coragem de lhe dizer, àquela altura, que a vida é uma construção, também a vida afetiva. E que amigos não nascem do nada como frutos do acaso: são cultivados com… amizade. Sem esforço, sem adubos especiais, sem método nem aflição: crescendo como crescem as árvores e as crianças quando não lhes faltam nem luz nem espaço nem afeto.
Quando em certo período o destino havia aparentemente tirado de baixo de mim todos os tapetes e perdi o prumo, o rumo, o sentido de tudo, foram amigos, amigas, e meus filhos, jovens adultos já revelados amigos, que seguraram as pontas. E eram pontas ásperas aquelas. Agüentei, persisti, e continuei amando a vida, as pessoas e a mim mesma (como meu amado amigo Erico Verissimo, ‘eu me amo mas não me admiro’) o suficiente para não ficar amarga. Pois, além de acreditar no mistério de tudo o que nos acontece, eu tinha aqueles amigos. Com eles, sem grandes conversas nem palavras explícitas, aprendi solidariedade, simplicidade, honestidade, e carinho.
Nesta página, hoje, sem razão especial nem data marcada, estou homenageando aqueles, aquelas, que têm estado comigo seja como for, para o que der e vier, mesmo quando estou cansada, estou burra, estou irritada ou desatinada, pois às vezes eu sou tudo isso, ah!, sim. E o bom mesmo é que na amizade, se verdadeira, a gente não precisa se sacrificar nem compreender nem perdoar nem fazer malabarismos sexuais nem inventar desculpas nem esconder rugas ou tristezas. A gente pode simplesmente ser: que alívio, neste mundo complicado e desanimador, deslumbrante e terrível, fantástico e cansativo. Pois o verdadeiro amigo é confiável e estimulante, engraçado e grave, às vezes irritante; pode se afastar, mas sabemos que retorna; ele nos aguenta e nos chama, nos dá impulso e abrigo, e nos faz ser melhores: como o verdadeiro amor.”
Lya Luft


Ler mais: http://www.contioutra.com/ensaio-sobre-a-amizade-lya-luft/#ixzz48p2t2CWS

terça-feira, 8 de março de 2016

Dia da Mulher

Por: João Araujo

Feliz Dia Internacional da Mulher.
Pra você, Dona Maria, que viveu os últimos 40 anos da sua vida casada com um homem de caráter, o pai perfeito, o consorte que sempre fez todas as suas vontades, mas que sempre menosprezou a sua opinião no que ele chamava “questões da casa”. Você sempre quis dizer que isso era ridículo, que a casa era tão sua quanto dele, talvez até tenha pensado em dizer que, (pasmem!) enquanto ele bebia qualquer coisa no bar com os amigos (ou com alguma “periguete”), você estava colocando os filhos de vocês pra dormir, coisa que ele não fazia desde a sua primeira licença maternidade. Mas você nunca falou. Porque você sempre achou que isso era “coisa da vida”, ficar em casa quase à contragosto enquanto o maridinho querido passava a noite fora e voltava na alta madrugada, quase sempre bêbado. E você envelheceu conformada com isso, assim como sua mãe antes de você.
Pra você, Laís, que outro dia descobriu, na gola da camisa do seu marido, a marca de batom vermelho-vivo, e não conseguiu impedir o choro torrencial. Não há nada de errado em chorar, claro, nada de errado com sofrer uma traição. Você se olha no espelho, vê que não é mais como era no dia do casamento. Já apareceram as celulites, uma estria aqui e outra ali, o “excesso de gostosura” começa a se acumular acima dos quadris… tudo parece tornar óbvia aquela tragédia. E pensando nisso ligou pra sua mãe, dona Maria, para se aconselhar. Ela te esperou terminar de soluçar pra soltar a pérola: “Perdoa ele. Homem é tudo igual. Tenho certeza de que foi coisa de momento, de que ele ainda te ama. Conversa com ele quando ele chegar. Deixa ele se retratar”. E você, mesmo sabendo que ele vai mentir, sabendo que vai doer bastante olhar nos olhos dele e ver a verdade, decidi ouvir dona Maria. Seus filhos não merecem passar por isso.
Pra você, Cláudia, que ontem mesmo teve que voltar pra casa da sua mãe com o rosto inchadíssimo e o orgulho no chão, porque seu marido decidiu que você era uma “puta, safada e mentirosa”. Você é bem-sucedida, sua empresa era pouco mais que uma pocilga quando você se elegeu presidenta. E com algumas decisões boas, algumas jogadas de mercado arriscadas, você conseguiu torná-la expoente na área, apesar dos boatos de que você tinha “chupado alguém” pra chegar lá e fazer tudo isso. Um dia você decidiu que ia pro Happy Hour do bar da esquina com alguns dos funcionários, a maioria homens, pro seu azar. O clima é bem alegre, todos estão levemente ébrios, quando o seu marido, para quem você pediu uma carona, chega para lhe buscar. Ele está bem sério, você percebe pelo vidro da janela. Você dá beijinhos em todo mundo e se despede com um sorriso bem aberto e simpático, antes de bater a porta e fechar o cinto. E você pergunta para ele o por quê daquele estresse que o fazia bufar, no que ele responde um “em casa a gente conversa” atravessado. Antes mesmo de ele terminar de fechar a porta da casa você recebe um tapão no rosto. Ele começa a  lhe espancar e lhe xingar de “puta, safada, mentirosa, piranha”, e todos os outros impropérios de que você lembra. E então ele finalmente sai de cima de você, que é obrigada, pelo que lhe resta de amor próprio, a pegar a maior mala que consegue, jogar tudo que tinha lá e pegar o carro até seu “porto seguro”.
Pra você, Fernanda, que é linda, sabe disso, e gosta de sair nos fins de semana com suas amigas. Não gosta de usar calças pras festas, preferindo saias, de preferência justas. Sempre chama atenção quando chega em algum lugar, seja pelo seu jeito extrovertido, daquelas pessoas que gritam quando encontram um conhecido do outro lado do quarteirão, ou pela beleza estonteante, somada a um corpo escultural (que você cultivou para si mesma, claro). Você já é conhecida, em algumas festas, por ficar com quem quer quando quer, e isso lhe deixa meio “mal falada”, mas pra que se incomodar com isso? Se as pessoas não conseguiam ficar com ninguém, que falassem pelos cotovelos o quanto quisessem. Entretanto, um dia, você foi pra uma festa e ficou mais bêbada que o normal, e tinha um cara em cima de você há algum tempo. Você decide ficar com ele pra ver se ele te deixa em paz, e descobre que não vai ser bem assim. Ele começa a lhe agarrar com força, querendo trocar mais carícias, e você está tonta demais para evitar, e apenas diz palavras soltas, “não”, “para”, “não faz”… e então você acorda de novo, em uma casa que lhe é estranha, em cima de uma cama, e ele em cima de você. As mesmas palavras são repetidas, agora com mais convicção, mas ele continua a ignorar e segue em frente. E quando ele finalmente acaba e apaga do seu lado, o que lhe resta é segurar as lágrimas e pedir um táxi. E antes mesmo do almoço do dia seguinte, você encontra fotos suas circulando pelas redes sociais. Fotos que ele havia tirado. Quando sua irmã vai te chamar pro almoço ela te encontra na cama, com uma cartela de remédios vazia do lado.
Pra você, Mariana, que não é a menina mais bonita da sua turma da escola, com um sobrepeso incômodo e um problema de acne que se agravou quando completou dezesseis anos. Claro, isso não impede os garotos das turmas mais velhas de assoviarem e falarem algumas coisas ruins pra você enquanto você tenta ignorar eles, quase sempre em vão. Mas você não liga pra eles, eles são idiotas. A única pra quem você liga é a sua colega Camila, linda como uma atriz mirim, que é sua amiga desde o ensino fundamental. Ela é como você, não liga pros meninos idiotas e infantis. Um dia vocês vão juntas ao cinema, ver o filme do ator que todas as suas amigas acham “lindo”, mas que você não acha nada demais. Sempre foi difícil pra você entender o que elas viam naqueles homens, que para você não eram nada demais. E então você vai pegar a pipoca e toca na mão da sua amiga. E não tira a mão de lá. Ela também não afasta a mão. E, então, você finalmente entende o motivo do mocinho do filme olhar daquele jeito tão bonito pra mocinha. E vocês ficam ali até o filme acabar. E saindo de lá as mãos das duas ainda estão juntas. E quando os pais da Camila vai buscar vocês duas, as mãos ainda estão lá. O pai dela parece não ligar, até faz aquelas piadas de sempre, mas a mãe dela parece profundamente incomodada. No dia seguinte, na escola, ambas estão nas nuvens, quando a coordenadora manda chamar você. Chegando na sala dela, você encontra o seu pai, com o rosto completamente vermelho. Ele manda você buscar as coisas, que estavam indo pra casa. A viagem inteira no carro foi ele gritando com você, falando que não tinha criado filha “sapatão” (o que quer que seja isso) e que isso era uma pouca-vergonha. Chegando em casa ele lhe dá uma surra, coisa que você nunca tinha levado, e te deixa chorando no quarto. Na semana seguinte você está na escola com ele, preenchendo os documentos da sua transferência. Ao que parece ele também não lhe queria na companhia da Camila mais. Por que ele estava fazendo aquela maldade com você?
Pra você, Carlos, ou melhor, Angélica, que aos dezoito anos descobriu se identificar no sexo feminino. Seus amigos sempre souberam que você era gay abertamente, e eles nunca se importaram, seus pais também não, apesar de eles temerem por você. “Sem razão”, você achava, “faz tempo que gay já não é perseguido que nem antes”. E no entanto, você sabia que alguma coisa ainda estava errada. Foi quando você entrou em contato com a transexualidade, e algo estalou dentro de você, brilhou. A princípio você tentou evitar a ideia, era radical demais, muito agressivo, os hormônios podiam alterar alguma coisa que não devia ser alterada… mas você não conseguiu controlar mais. A princípio você mudou o que você conseguia mudar sem alteração hormonal, a começar pelo guarda-roupa, as unhas, o cabelo, a presença cotidiana da maquiagem. E então seus pais, vendo o óbvio acontecendo debaixo do nariz deles, decidiram que pagariam a sua alteração hormonal na semana seguinte. Você quase não cabia em si de alegria. Começou a gritar, gargalhar, e se emocionar diante deles, que sorriam diante de você. Aquele era o melhor dia da sua vida. A semana parecia se arrastar, mas você não desanimava, e cantava os minutos em voz alta. Porém, no final de semana anterior ao início do tratamento, você encontrou um pessoal mal encarado. Todos olharam pra você, e até você perceber a situação em que estava, você já era jogado no chão e eles começaram a linchá-lo.”Bichona, mona, traveco” e sinônimos eram palavras repetidas a cada novo soco, chute ou garrafada. Ao amanhecer, o seu nome apareceu nas manchetes policiais, com uma foto do corpo e, ao lado, uma foto de seus pais, inconsoláveis, abraçados um ao outro. Perderam sua única filha.
E um feliz Dia da Mulher pra você também, Jujuzinha, que queria comprar um carrinho de brinquedo mas ganhou uma boneca, porque “carrinho é brinquedo de menino”.
Feliz Dia Internacional da Mulher pra todas as Marias, Laís, Cláudias, Fernandas, Marianas, Angélicas, Julianas, Jéssicas, Brunas, Isabelas, Vivianes, Alessandras, Larissas, Nicoles, Victórias e milhares de outras, por conviverem com o fardo de ser mulher, por ouvirem ofensas que ninguém diria à própria mãe, por terem medo de sair na rua de noite, por lidarem com injustiças sociais e econômicas com frequência muitas vezes diária, por carregarem todas as histórias das suas mães e das mães delas, e ainda assim serem capazes de sorrir e seguir em frente.
O Dia Internacional da Mulher não é um dia de homenagem, é um dia de perdão que a sociedade força sobre si mesma. E mesmo assim nós o recebemos como a um feriado.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

“Te vira, meu filho. Você sempre poderá contar comigo, mas essa briga é tua”‏

Eliane Brum Fala Do Despreparo Da Geração Mais Preparada

“A crença de que a felicidade é um direito tem tornado despreparada a geração mais preparada”
Ao conviver com os bem mais jovens, com aqueles que se tornaram adultos há pouco e com aqueles que estão tateando para virar gente grande, percebo que estamos diante da geração mais preparada – e, ao mesmo tempo, da mais despreparada. Preparada do ponto de vista das habilidades, despreparada porque não sabe lidar com frustrações. Preparada porque é capaz de usar as ferramentas da tecnologia, despreparada porque despreza o esforço. Preparada porque conhece o mundo em viagens protegidas, despreparada porque desconhece a fragilidade da matéria da vida. E por tudo isso sofre, sofre muito, porque foi ensinada a acreditar que nasceu com o patrimônio da felicidade. E não foi ensinada a criar a partir da dor.
Há uma geração de classe média que estudou em bons colégios, é fluente em outras línguas, viajou para o exterior e teve acesso à cultura e à tecnologia. Uma geração que teve muito mais do que seus pais. Ao mesmo tempo, cresceu com a ilusão de que a vida é fácil. Ou que já nascem prontos – bastaria apenas que o mundo reconhecesse a sua genialidade.
Tenho me deparado com jovens que esperam ter no mercado de trabalho uma continuação de suas casas – onde o chefe seria um pai ou uma mãe complacente, que tudo concede. Foram ensinados a pensar que merecem, seja lá o que for que queiram. E quando isso não acontece – porque obviamente não acontece – sentem-se traídos, revoltam-se com a “injustiça” e boa parte se emburra e desiste.
Como esses estreantes na vida adulta foram crianças e adolescentes que ganharam tudo, sem ter de lutar por quase nada de relevante, desconhecem que a vida é construção – e para conquistar um espaço no mundo é preciso ralar muito. Com ética e honestidade – e não a cotoveladas ou aos gritos. Como seus pais não conseguiram dizer, é o mundo que anuncia a eles uma nova não lá muito animadora: viver é para os insistentes.
Por que boa parte dessa nova geração é assim? Penso que este é um questionamento importante para quem está educando uma criança ou um adolescente hoje. Nossa época tem sido marcada pela ilusão de que a felicidade é uma espécie de direito. E tenho testemunhado a angústia de muitos pais para garantir que os filhos sejam “felizes”. Pais que fazem malabarismos para dar tudo aos filhos e protegê-los de todos os perrengues – sem esperar nenhuma responsabilização nem reciprocidade.
É como se os filhos nascessem e imediatamente os pais já se tornassem devedores. Para estes, frustrar os filhos é sinônimo de fracasso pessoal. Mas é possível uma vida sem frustrações? Não é importante que os filhos compreendam como parte do processo educativo duas premissas básicas do viver, a frustração e o esforço? Ou a falta e a busca, duas faces de um mesmo movimento? Existe alguém que viva sem se confrontar dia após dia com os limites tanto de sua condição humana como de suas capacidades individuais?
Nossa classe média parece desprezar o esforço. Prefere a genialidade. O valor está no dom, naquilo que já nasce pronto. Dizer que “fulano é esforçado” é quase uma ofensa. Ter de dar duro para conquistar algo parece já vir assinalado com o carimbo de perdedor. Bacana é o cara que não estudou, passou a noite na balada e foi aprovado no vestibular de Medicina. Este atesta a excelência dos genes de seus pais. Esforçar-se é, no máximo, coisa para os filhos da classe C, que ainda precisam assegurar seu lugar no país.
Da mesma forma que supostamente seria possível construir um lugar sem esforço, existe a crença não menos fantasiosa de que é possível viver sem sofrer. De que as dores inerentes a toda vida são uma anomalia e, como percebo em muitos jovens, uma espécie de traição ao futuro que deveria estar garantido. Pais e filhos têm pagado caro pela crença de que a felicidade é um direito. E a frustração um fracasso. Talvez aí esteja uma pista para compreender a geração do “eu mereço”.
Basta andar por esse mundo para testemunhar o rosto de espanto e de mágoa de jovens ao descobrir que a vida não é como os pais tinham lhes prometido. Expressão que logo muda para o emburramento. E o pior é que sofrem terrivelmente. Porque possuem muitas habilidades e ferramentas, mas não têm o menor preparo para lidar com a dor e as decepções. Nem imaginam que viver é também ter de aceitar limitações – e que ninguém, por mais brilhante que seja, consegue tudo o que quer.
A questão, como poderia formular o filósofo Garrincha, é: “Estes pais e estes filhos combinaram com a vida que seria fácil”? É no passar dos dias que a conta não fecha e o projeto construído sobre fumaça desaparece deixando nenhum chão. Ninguém descobre que viver é complicado quando cresce ou deveria crescer – este momento é apenas quando a condição humana, frágil e falha, começa a se explicitar no confronto com os muros da realidade. Desde sempre sofremos. E mais vamos sofrer se não temos espaço nem mesmo para falar da tristeza e da confusão.
Me parece que é isso que tem acontecido em muitas famílias por aí: se a felicidade é um imperativo, o item principal do pacote completo que os pais supostamente teriam de garantir aos filhos para serem considerados bem sucedidos, como falar de dor, de medo e da sensação de se sentir desencaixado? Não há espaço para nada que seja da vida, que pertença aos espasmos de crescer duvidando de seu lugar no mundo, porque isso seria um reconhecimento da falência do projeto familiar construído sobre a ilusão da felicidade e da completude.
Quando o que não pode ser dito vira sintoma – já que ninguém está disposto a escutar, porque escutar significaria rever escolhas e reconhecer equívocos – o mais fácil é calar. E não por acaso se cala com medicamentos e cada vez mais cedo o desconforto de crianças que não se comportam segundo o manual. Assim, a família pode tocar o cotidiano sem que ninguém precise olhar de verdade para ninguém dentro de casa.
Se os filhos têm o direito de ser felizes simplesmente porque existem – e aos pais caberia garantir esse direito – que tipo de relação pais e filhos podem ter? Como seria possível estabelecer um vínculo genuíno se o sofrimento, o medo e as dúvidas estão previamente fora dele? Se a relação está construída sobre uma ilusão, só é possível fingir.
Aos filhos cabe fingir felicidade – e, como não conseguem, passam a exigir cada vez mais de tudo, especialmente coisas materiais, já que estas são as mais fáceis de alcançar – e aos pais cabe fingir ter a possibilidade de garantir a felicidade, o que sabem intimamente que é uma mentira porque a sentem na própria pele dia após dia. É pelos objetos de consumo que a novela familiar tem se desenrolado, onde os pais fazem de conta que dão o que ninguém pode dar, e os filhos simulam receber o que só eles podem buscar. E por isso logo é preciso criar uma nova demanda para manter o jogo funcionando.
O resultado disso é pais e filhos angustiados, que vão conviver uma vida inteira, mas se desconhecem. E, portanto, estão perdendo uma grande chance. Todos sofrem muito nesse teatro de desencontros anunciados. E mais sofrem porque precisam fingir que existe uma vida em que se pode tudo. E acreditar que se pode tudo é o atalho mais rápido para alcançar não a frustração que move, mas aquela que paralisa.
Quando converso com esses jovens no parapeito da vida adulta, com suas imensas possibilidades e riscos tão grandiosos quanto, percebo que precisam muito de realidade. Com tudo o que a realidade é. Sim, assumir a narrativa da própria vida é para quem tem coragem. Não é complicado porque você vai ter competidores com habilidades iguais ou superiores a sua, mas porque se tornar aquilo que se é, buscar a própria voz, é escolher um percurso pontilhado de desvios e sem nenhuma certeza de chegada. É viver com dúvidas e ter de responder pelas próprias escolhas. Mas é nesse movimento que a gente vira gente grande.
Seria muito bacana que os pais de hoje entendessem que tão importante quanto uma boa escola ou um curso de línguas ou um Ipad é dizer de vez em quando: “Te vira, meu filho. Você sempre poderá contar comigo, mas essa briga é tua”. Assim como sentar para jantar e falar da vida como ela é: “Olha, meu dia foi difícil” ou “Estou com dúvidas, estou com medo, estou confuso” ou “Não sei o que fazer, mas estou tentando descobrir”. Porque fingir que está tudo bem e que tudo pode significa dizer ao seu filho que você não confia nele nem o respeita, já que o trata como um imbecil, incapaz de compreender a matéria da existência. É tão ruim quanto ligar a TV em volume alto o suficiente para que nada que ameace o frágil equilíbrio doméstico possa ser dito.
Agora, se os pais mentiram que a felicidade é um direito e seu filho merece tudo simplesmente por existir, paciência. De nada vai adiantar choramingar ou emburrar ao descobrir que vai ter de conquistar seu espaço no mundo sem nenhuma garantia. O melhor a fazer é ter a coragem de escolher. Seja a escolha de lutar pelo seu desejo – ou para descobri-lo –, seja a de abrir mão dele. E não culpar ninguém porque eventualmente não deu certo, porque com certeza vai dar errado muitas vezes. Ou transferir para o outro a responsabilidade pela sua desistência.
Crescer é compreender que o fato de a vida ser falta não a torna menor. Sim, a vida é insuficiente. Mas é o que temos. E é melhor não perder tempo se sentindo injustiçado porque um dia ela acaba.”
(Eliane Brum)

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Quando os parentes invadem nossa intimidade.

- "Família é pra essas coisas" é um tema perigoso, pois permite que nossa privacidade seja devassada, criando situações embaraçosas e impedindo uma relação mais sadia e madura.
Somos educados para distinguir muito claramente os parentes dos amigos e das pessoas em geral. Desde crianças, aprendemos que a família é composta por criaturas sui generis que terão conosco um nível de relacionamento especial, governado por um código próprio, diferente daquele que empregamos no trato com estranhos. Com esses últimos, temos um relacionamento cordial e mais formal, respeitoso e que pressupõe reciprocidade nas atitudes. Por isso, nos ofendemos rapidamente quando somos invadidos em nossa privacidade.
Detestamos nos sentir explorados e reagimos com veemência frente a intromissões indevidas. A tolerância com desconhecidos é relativa e tendemos a evitar novos contatos com aqueles que não agem adequadamente. Às vezes, chegamos a brigar feio: outras vezes, apenas nos afastamos. Tudo depende do temperamento, da situação e também do tipo de pessoa com a qual nos indispomos. Fomos educados a "não levar desaforo para casa".
A coisa é completamente diferente quando a gente se relaciona com parentes, especialmente os mais próximos. Pais, avós, irmãos, filhos, primos e tios diretos, todos se sentem à vontade para falar o que pensam a nosso respeito. Fazem isso sem inibições e, pior, sem ser consultados.
A invasão seria absolutamente intolerável se viesse de estranhos ou mesmo de amigos. No entanto, essa devassa à nossa privacidade passa a ser considerada uma "obrigação" do grupo familiar. Ai de nós, se ficarmos ofendidos! Não faltarão recriminações do gênero: "se estou te dizendo essas coisas, é para o seu bem. Sou sua mãe e me sinto com o direito de falar tudo o que eu penso, porque é óbvio que te amo". Há variantes com igual intenção e significado, mudando apenas o grau de parentesco.
Em primeiro lugar, não é tão óbvio que a emoção predominante entre parentes seja o amor. Penso que, em muitos casos, a rivalidade e a inveja predominam entre irmãos, por exemplo, sentimentos positivos são abafados por uma relação tumultuada e por disputas de todo o tipo.
Até no "começo dos tempos" tivemos problemas: os dois primeiros irmãos foram Caim e Abel e um matou o outro. Rivalidade e inveja também imperam nas ligações entre pais e filhos, entre mães e filhas. Na maioria das vezes, o amor existe, mas não é a única emoção. Portanto, é arbitrário dizer que os laços que unem os parentes sejam sempre positivos e construtivos. Não ousaria afirmar isso nem mesmo em relação à minha mãe ou ao meu filho. Aliás, as mais importantes descobertas de Freud, tem a ver com a descaracterização do mito segundo o qual a família é um santuário das melhores e mais belas emoções.
Mas um aspecto comum entre parentes diz respeito à facilidade com que uns exigem coisas dos outros. Se nos falta dinheiro e temos que pedir emprestada uma certa quantia para um "estranho", a dificuldade que sentimos é enorme. Agora, se for parente, não experimentamos o mínimo escrúpulo. E se tiver mais dinheiro do que a gente, chegamos a pensar que será "obrigação sua" nos tirar da condição precária na qual nos encontramos. Sim, porque "parente é pra essas coisas".
É "óbvio" que pais mais ricos deverão ajudar o filho. Quando a situação se inverte, este manterá pais, avós, além de alguma tia solteirona... Não me parece nada tão claro nem tão óbvio. Acredito mesmo que tais regras - diferente das que orientam as relações em geral - foram criadas por pessoas oportunistas e, portanto, fracas e egoístas. Sua finalidade é comover os parentes mais generosos e transformá-los em provedores de tudo o que lhes falta. É mais fácil e, à primeira vista, mais esperto tirar dos outros o que não se conseguiu por esforço próprio.
"Com os parentes não é preciso ter cerimônia." Também não concordo com essa afirmação. Ofender, brigar e depois fazer as pazes afeta qualquer relação. Deveríamos tratar com cuidados redobrados justamente as criaturas que nos são mais próximas.

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Simples assim...

"Tenho aprendido com o tempo que a felicidade vibra na freqüência das coisas mais simples.
Que o que amacia a vida, acende o riso, convida a alma pra brincar,
são essas imensas coisas pequeninas bordadas com fios de luz no tecido áspero do cotidiano.
Como o toque bom do sol quando pousa na pele.
A solidão que é encontro. 
O café da manhã com pão quentinho e sonho compartilhado.
A lua quando o olha...r é grande.
A doçura contente de um cafuné sem pressa.
O trabalho que nos erotiza.
Os instantes em que repousamos os olhos em olhos amados.
O poema que parece que fomos nós que escrevemos.
A força da areia molhada sob os pés descalços.
O sono relaxado que põe tudo pra dormir.
A presença da intimidade legítima.
A música que nos faz subir de oitava.
A delicadeza desenhada de improviso.
O banho bom que reinventa o corpo.
O cheiro de terra.
O cheiro de chuva.
O cheiro do tempero do feijão da infância.
O cheiro de quem se gosta.
O acorde daquela risada que acorda tudo na gente.
Essas coisas...
Outras coisas...
Todas, simples assim."
Leila Lemos

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

ENLOUQUEÇA! A VIDA É MUITO CURTA PRA SE VIVER EM UMA CAIXA!

Não fale muito alto. Leve guarda-chuva. Pense duas vezes. Não esqueça a blusa de frio. Exercite-se. Sorria para a foto. Coma uma maçã por dia. Beba água. Use filtro solar. Invista em previdência privada. Estude. Economize 30% do salário. Leia a Bíblia.
Seja prudente.
Desde que se nasce, a cautela é um mantra: traz sanidade, decência e portas abertas para uma vida tanto reta quanto correta.
Prudente é ser comedido diante de decisões, obedecer aos pais, usar roupas adequadas e entender que ser astronauta ou artista plástico é um sonho estupidamente infantil. Adulto mesmo é sagrar-se médico, engenheiro, advogado ou concursado.
Dizem que uma vida sem prudência é loucura. De fato, somente um louco é capaz de corajosamente sondar sua alma para descobrir que cautela excessiva é espelho de medos alheios.
Um louco decide raspar a cabeça e raspa. Escolhe trocar de emprego e troca. Entende mudar de país e muda. Gasta mais tempo voltando a lanterna na direção de sua alma do que na dos outros, pois compreende que suas limitações são suas, suas conquistas são suas e sua vida é absolutamente sua.
Um louco de verdade não acredita no ridículo, porque intuitivamente sabe que a vastidão do mundo abarca tantas possibilidades quanto é possível elas existirem. Quando se percebe tolo, ri de si com carinho e começa de novo, sem medo de errar ou vergonha do mundo… É que este louco — quanta loucura! — entende que a dor engrandece, a humilhação ensina, a perda fortalece e o erro é a melhor de todas as escolas.
Há alguns séculos, a própria Loucura, pelas palavras de Erasmo, enalteceu a si mesma com sabedoria: “Há duas coisas, sobretudo, que impedem o homem de chegar a conhecer bem as coisas: a vergonha, que ofusca sua alma, e o temor, que lhe mostra o perigo e o desvia de empreender grandes ações. Ora, a Loucura nos livra maravilhosamente dessas duas coisas”.
No palco da vida, quase todos os homens passam de uma coxia a outra como um jovem soldado que vai para a guerra: sem compreender seu sentido real, caminhando rumo ao fim com passos firmes, recheados de vazio e dor. Afogados em prudência espartana, reúnem todo seu espanto a restringir a própria vida e vigiar a alheia. Uma viagem exótica, uma mudança de profissão ou qualquer detalhe que demonstre um pouco de coragem são suficientes para que debochem, fuxiquem ou reprovem.
Pobres prudentes, que se resumem a preto e branco, censurando o arco-íris de seus irmãos! Pobres prudentes, que fecham os olhos ao grande mar de vida em seus próprios corações! Fossem mais insanos, dedicariam seu tempo ao precioso autoconhecimento e não a debruçar-se sobre o que lhes desinteressa.
Somente um louco é capaz de mergulhar em si e questionar seu espírito com teimosia e curiosidade até compreender a fome que o move. Torna-se então consciente de suas prisões e liberdades, e aí mora o grande segredo de seu riso: ciente do que o prende, consegue transgredir. Apenas quem conhece as próprias prisões é capaz de libertar-se.
Ser louco é sobretudo não tornar os velhos hábitos um estilo, ser destemido para lançar-se nas ondas da vida, não se matar com opiniões de pessoas amargas, rasgar-se e remendar-se a cada dia e, acima de todas as coisas, ter coragem de ser fiel a si.
Troque de roupa, de ideia, de rumo ou de amor. Livre-se de velhas dores, providencie novo começo, peça demissão, enfrente medos antigos, dispense a coerência e respire novos ares. Ninguém nunca disse que o caminho há de ser reto. Basta que ele seja.

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

PERDOAR OS OUTROS É FÁCIL...

...difícil é perdoar a si mesmo.

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Se você vive apontando seu dedo indicador constantemente para seu próprio nariz, cuidado! Algumas pessoas prejudicam outras e pedem perdão, que pode ser aceito ou não; mas há algumas atitudes em que o único prejudicado é você mesmo.
A culpa é influenciada pelas crenças e valores que cada um traz consigo desde a infância e que muitas vezes não corresponde mais aos valores e crenças atuais. Culpa, remorso, arrependimento, são inimigos constantes e nos fazem sentir vergonha, medo e a maior consequência: a autopunição.
Perdoar a si mesmo talvez seja um dos maiores desafios, pois está relacionado com a capacidade, ou melhor, com a dificuldade que cada um tem de se amar e se aceitar. As pessoas não se amam por acreditarem terem feito algo muito terrível, às vezes isso até corresponde à verdade, mas muitas vezes não. Procure observar se busca demais pela aprovação e reconhecimento das pessoas em geral, se está sempre à disposição de todos, cedendo em quase tudo, pela necessidade inconsciente de agradar, de ser aceito, mas que muitas vezes confunde-se com a desculpa de querer ajudar e que na verdade oculta a busca pelo amor e atenção.
Uma maneira de cultivar a culpa é estar sempre exigindo perfeição de si mesmo. Para se livrar disso, seja honesto consigo mesmo, pense sobre o que te levou a fazer certas escolhas, agir de determinada forma e, lembre-se que, naquele momento você fez o melhor – ou o menos pior – por si. Nós sempre fazemos o que dá para ser feito. Nunca julgue situações passadas com valores do presente.
Para perdoar-se é preciso rever todas suas crenças, valores, que muitos esquecem que com o tempo podem, e devem, se modificar. Analisar o que fez ou deixou de fazer para poder mudar e crescer é válido, como sentir remorso pela dor que pode ter causado a alguém e pedir perdão. Mas se esse remorso começar a dominar sua vida, vai alimentar seu papel de vítima e a autopiedade. Você deve aprender e crescer com a experiência passada e isso não quer dizer se punir eternamente por algo já feito.
Perdoar a si mesmo exige uma completa honestidade, é um processo de reconhecer a verdade, assumir a responsabilidade pelo que fez, aprender com a experiência, reconhecer os sentimentos que motivaram determinados comportamentos, abrir seu coração para si mesmo, ouvir seus medos, curar certas feridas e isso você pode conseguir amando a si mesmo.
Você pode e deve se livrar de certos padrões de pensamentos e sentimentos. Mude o que não acredita mais, livre-se de tudo que te faz mal, cure a ferida que mais lhe dói. A verdadeira cura é fazer as pazes consigo mesmo. O amor é o remédio mais poderoso que temos.


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terça-feira, 13 de outubro de 2015

ÀS VEZES A GENTE NÃO PERDE, A GENTE SE LIVRA!

PUBLICADO EM RECORTES POR 
"A gente se livra ao ultrapassar os limites de nossa zona de conforto, deixando para trás o que nos pesa inutilmente, o que nos faz mal, o que fere nossa dignidade. Livrar-se é buscar um novo emprego, novos amigos, outras moradas, amores fresquinhos, paisagens inusitadas, emoções desconhecidas. É inconformar-se com o que se acomodou de forma insossa."


É impossível enxergarmos os fatos com clareza quando estamos inseridos em meio à roda-viva dos acontecimentos desagradáveis. Geralmente, somos levados ao desespero, à impotência e à certeza de que jamais conseguiremos nos reerguer depois daquilo tudo. Mas o passar dos dias, meses, sempre acaba trazendo a lucidez necessária para que possamos encontrar meios de superar os reveses, os quais, vistos ao longo do tempo e a uma distância segura, tomam a real dimensão que possuem, sendo muitos deles verdadeiras bênçãos em nossa jornada. Há perdas, sim, mas também há muitos livramentos, felizmente.
A gente perde quando magoa quem nos ama de verdade, quem caminha ao nosso lado torcendo pelo nosso sucesso e nos ajudando a batalhar por nossa felicidade. Ferir essas pessoas é como machucarmos a nós mesmos, pois fazem parte de nós e de nossa história. Ao nos distanciarmos daqueles que nos dão as mãos com devoção sincera, limitamos as possibilidades de encontrarmos a felicidade.
A gente se livra ao perceber que está perdendo tempo em uma relação sem futuro algum, investindo em alguém que não oferece nada em troca. Recobrar a consciência e a lucidez, para juntarmos forças que nos possibilitem romper e partir em busca do amor de nossas vidas significa procurarmos pela felicidade com que sempre sonhamos. Os sonhos não devem permanecer na cama, mas sim nos acompanhar também enquanto estivermos acordados.
A gente perde quando trava lutas inúteis contra pessoas que não fazem a menor diferença em nossas vidas, tentando provar algo a quem não tem a mínima consideração com o que somos. Despender energia com aqueles que não fazem questão de tomar parte de nosso caminhar com cumplicidade apenas enfraquecerá nossos ânimos, desviando nossas atenção do que realmente importa, do que nos é vital junto às pessoas certas.
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A gente se livra ao compreender que somos falíveis e que bem provavelmente erramos muito, todos os dias. Esse entendimento amenizará nossa carga de culpa, tornando-nos mais leves e propensos a internalizar os aprendizados que vêm com as colheitas. Somente analisando os nossos equívocos, com maturidade e criticidade, é que conseguiremos articular nossas ações, no sentido de não repetir os erros que emperram nossos avanços, em todos os setores de nossas vidas. É preciso carregar somente as bagagens que nos serão úteis, ou nos cansaremos sem ter desfrutado tudo o que merecemos.
A gente perde quando se nega a mudar os hábitos que emperram as mudanças necessárias ao nosso aprimoramento pessoal, que nos intoxicam o físico e o psíquico, minando nossos sentidos e limitando nossa visão de mundo. Nunca é tarde para que deixemos o novo adentrar em nossas vidas, reoxigenando nossos pensamentos, elucidando nossas dúvidas, oportunizando-nos novas chances de recomeçar aquilo que não está dando certo.
A gente se livra ao ultrapassar os limites de nossa zona de conforto, deixando para trás o que nos pesa inutilmente, o que nos faz mal, o que fere nossa dignidade. Livrar-se é buscar um novo emprego, novos amigos, outras moradas, amores fresquinhos, paisagens inusitadas, emoções desconhecidas. É inconformar-se com o que se acomodou de forma insossa, rompendo as barreiras do medo e da hesitação que nos impedem de utilizarmos todo o potencial que nos preencherá a essência na medida exata de nossa felicidade.
É necessário, pois, sabermos que, ainda que certas rupturas pudessem ter sido evitadas em nosso favor, muitas perdas implicarão ganhos imensuráveis, no tempo e na hora certa. Por mais desoladora que seja a situação, haveremos de vencer a desesperança, o desânimo e a negatividade, renascendo das intempéries cada vez mais fortes e humanos, com uma visão de mundo mais madura e segura. Certamente, ainda haveremos de olhar para trás com uma grata satisfação por tudo o que nos aconteceu e que nos deu a oportunidade de nos tornarmos quem somos, apesar de - e por causa de - todas as escuridões em meio às quais nossa luz interior se fortaleceu para nos guiar de volta, sempre em direção à felicidade.


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terça-feira, 29 de setembro de 2015

QUEM É O SEU EU DE FATO?

PUBLICADO EM RECORTES POR 
Quanto menor for a distância entre este eu que age e este eu que pensa e sente é sinal de que estamos abrindo mão de nossas máscaras. Sabemos que uma revelação total é uma ideia altamente desejável mas ao mesmo tempo utópica , pois alguns conteúdos não vem à tona nem para nós mesmos.
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Quem é o seu eu de fato? O que define a nossa personalidade realmente? Assistindo a uma saborosa palestra da filósofa Márcia Tiburi, me deparei com uma comparação entre Apolo e Dionísio. O primeiro se relaciona com a luz, a ordem e a criação. O segundo é o deus do vinho, da alegria, da desordem , da destruição e do encontro com o outro que existe em nós.
Como afirmou Márcia Tiburi, filosoficamente falando somos esquizofrênicos porque temos um outro dentro de nós que muitas vezes desconhecemos.
É por meio do caos , da desordem, da ruptura que nos deparamos com este outro. Enfim, ninguém se conhece e se depara com este outro sem uma boa dose de sofrimento e feridas bem abertas.
Um ex professor de teatro , certa vez, nos disse que o palco não era espaço de Deus. Era espaço de Dionísio. No teatro por meio do encontro com o personagem podemos encontrar a nós mesmos.
Se Apolo é importante para construirmos e mantermos a ordem, Dionísio é vital para jogar fora o que não faz mais sentido e desta forma abrir espaço para o que deve ser investido.
Em uma visão mais materialista , somos o que vivemos, o que fazemos, como organizamos a nossa rotina. Nossos atos nos definem. Em uma visão mais idealista , no sentido filosófico da palavra, somos o que pensamos e sentimos, como nos enxergamos por debaixo das máscaras. O que nos define é o que se passa por nossa mente , mesmo que não tenhamos coragem suficiente para nos revelar ao mundo e agir de acordo com a nossa vontade.
Quanto menor for a distância entre este eu que age e este eu que pensa e sente é sinal de que estamos abrindo mão de nossas máscaras. Sabemos que uma revelação total é uma ideia altamente desejável mas ao mesmo tempo utópica , pois alguns conteúdos não vem à tona nem para nós mesmos.
Porém, algumas pessoas conseguem tirar mais camadas da cebola e chegar mais perto do seu cerne. Quanto menos máscaras, mais realizados nos sentimos. Viver de acordo com um modelo que não corresponde ao nosso é o mesmo que calçar um sapato pequeno ou grande demais. Nos sentimos desconfortáveis e o andar não é orgânico.
Normalmente , nos definimos por nossos atos. Numa visão deleuziana, a realidade é questionada e poderíamos considerar a vida interior de um sujeito a sua mais pura realidade e o que ele vive de fato, no seu dia a dia , poderia ser considerada apenas um simulacro, uma encenação patética de uma subvida. Quanto maior for a distância entre o eu que age e o eu que pensa e sente, mais esquizofrênicos seremos no sentido social da palavra. Pessoas que sorriem para o chefe déspota enquanto sentem vontade de esganá-lo. Homens e mulheres que transam com o parceiro/parceira, imaginando outra pessoa. Pessoas que exercem a vida inteira uma profissão que odeiam. Pessoas que se obrigam a conviver com gente que as menosprezam e fingem estar bem. Pessoas que desistem de lutar por seus desejos pelo medo de chocarem, de contrariarem, de causarem algum tipo de polêmica.
Embora não haja a possibilidade de sermos outra pessoa e apenas nós mesmos, criamos personagens para nos proteger das dores, para suportar o que nos foi imposto. E muitas vezes, fica complicado dizer o que é objeto e o que é signo ou representação. Esta é uma resposta que cabe a cada um de nós buscar.


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